Sobre o Congresso
Escrevi um livro sobre o funcionamento do poder Legislativo no Brasil que começa com a seguinte frase: “eu amo o Congresso brasileiro”. Não imaginei que a ideia causaria tanta surpresa, curiosidade ou juízo de valor. Por que decidi escrever declarar o meu amor (e a minha fé) à instituição assim, de maneira tão direta?
Faz-se pouco o exercício de pensar nas instituições como independentes dos atores políticos que as ocupam. O Congresso é visto como “corrupto”, “ineficiente”, “irresponsável” e tantas outras qualificações que poderia escrever um texto inteiro só sobre isso. Mas o Congresso não é, de fato, isso. A instituição é outra coisa: trata-se das comissões e dos plenários, onde 513 deputados e 81 senadores com perfis e trajetórias distintas se reúnem para fazer o bonito trabalho de tomar decisões majoritárias em nosso nome. O Congresso é o espaço decisório ocupado por representantes dos brasileiros que formulam leis para resolver problemas sociais.
É importante manter essa visão “romântica” do Congresso por quatro motivos. Primeiro, devemos sempre manter a memória histórica viva. Se temos problemas com o Congresso, teríamos muito mais problemas sem ele. A ditadura militar serve como evidência disso: um sistema político com pouco ou nenhum nível de liberdade de expressão e de associação é um sistema político que responde a um grupo seleto de pessoas.
Segundo, a cegueira que nos leva a enxergar o Congresso apenas como um problema nos impede de ver o Congresso que funciona. No livro, apresento exemplos de formulação de leis em prol do bem comum. Como escrevo, o Congresso funciona melhor para o bem coletivo quando atua em parceria com a sociedade civil. Assim, não dá para generalizar e dizer que todo parlamentar é corrupto ou que todo processo legislativo é ineficiente.
Terceiro, uma visão ideal do Congresso nos ajuda a pensar sobre como melhorá-lo. Boa parte do meu trabalho hoje em dia é matutar sobre quais reformas institucionais podem ser feitas em Legislativos mundo afora para que a instituição funcione melhor e acompanhe mudanças sociais e tecnológicas. Para isso, norteio o meu trabalho em cima de um tipo ideal de Congresso (pensando no termo Weberiano).
Quarto, separar o Congresso das pessoas que o ocupam é fundamental para não embarcar na antipolítica. Discursos generalistas que criticam o não-funcionamento das instituições brasileiras são um desserviço à inteligência e ao sistema democrático. À inteligência porque o mínimo que se espera de quem fala ou escreve sobre o assunto é a clareza sobre qual instituição está em debate: o sistema eleitoral? O processo legislativo? O sistema de freios e contrapesos? Em quais condições a instituição funciona melhor (já que a ideia de funcionamento é complexa)? Ao sistema democrático porque diante do não-funcionamento das instituições é fácil largar a toalha e apoiar aventuras populistas e extremistas. Deixar de acreditar no melhor sistema que temos para viver com o mínimo de harmonia. A democracia não é perfeita e não é um milagre. Mas ela segue como a melhor ideia que já tivemos para nos organizar em sociedade.
É fácil ser cínico. Difícil é manter algum tipo de amor e/ou fé olhando para o mundo completamente injusto no qual vivemos. Eu escolho a segunda opção. Não tomo o Congresso como necessariamente problemático e escrevi um livro que reflete essa postura.