Sobre os limites da ciência política: uma conversa com Frank Baumgartner

O período em que estudei na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, foi bastante difícil. Se não fosse por Frank Baumgartner, professor de ciência política na universidade, eu teria parado no mestrado, sem seguir para o doutorado. Chamo Frank de mentor porque sua influência na minha formação foi muito além da orientação acadêmica. O tipo de intelectual que ele é é exatamente o tipo de intelectual que almejo ser: alguém generoso com seu conhecimento e com seu tempo, e capaz de produzir pesquisas que impactam o mundo real. Basta olhar o trabalho que ele desenvolveu sobre a aplicação da pena de morte e o viés racial nas abordagens policiais no trânsito.
A conversa abaixo nasceu de uma troca de e-mails em que Frank me contou estar frustrado com a nossa profissão por ela não ter sido capaz de antecipar o retrocesso democrático nos Estados Unidos com a segunda eleição de Donald Trump. Especialista em framing e agenda-setting, ele analisa as narrativas bem-sucedidas construídas pelos apoiadores de Trump e a ausência de narrativas eficazes por parte dos Democratas. Para ele, não há caminho de volta: a democracia norte-americana já foi alterada em sua estrutura constitucional mais profunda, e futuros presidentes não aceitarão mais os limites de poder que existiam no passado.
Ao longo da conversa, Frank faz um balanço da ciência política como campo de conhecimento. Segundo ele, falhamos coletivamente em antecipar rupturas políticas porque desenvolvemos teorias e métodos voltados demais à estabilidade, e de menos à instabilidade. A própria teoria que ele ajudou a formular — o equilíbrio pontuado — não nos prepara para reconhecer os momentos decisivos antes que mudanças profundas aconteçam. Essa reflexão é particularmente importante em tempos de retrocesso democrático, quando o “caos” não é uma exceção, mas um dado do jogo.
Ele também destaca a urgência de ampliar a diversidade social, étnica, racial e religiosa na profissão, pois sem isso faltam perguntas e, consequentemente, respostas à altura da complexidade do mundo. Esse ponto me chamou a atenção por revelar uma qualidade fundamental de Frank: sua humildade ao reconhecer, como homem branco, os limites do próprio olhar acadêmico. Ele encerra a conversa dizendo que não tem respostas, o que talvez seja, por si só, um gesto importante de abertura diante dos desafios do nosso tempo.
A ideia inicial era fechar a conversa para assinantes, mas Frank me pediu para publicar também a versão em inglês (disponível aqui) e resolvi deixar as duas abertas para estudantes de ciência política interessados no tema.
Beatriz: Como você caracterizaria o estado atual da democracia norte-americana?
Frank: Neste momento, ela está em crise — e provavelmente já passou do ponto sem retorno, com ameaças à estrutura constitucional. E haverá muitas pessoas que, olhando para trás, serão identificadas como facilitadoras do colapso dessa estrutura, e que talvez se arrependam profundamente disso. Estava conversando com um colega, também cientista político, e mencionei como é frustrante ver que a Constituição, com todas as suas garantias de separação de poderes e tantos freios e contrapesos, possa ser tão facilmente rompida por alguém usando as táticas de um chefe de máfia: ameaçando pessoas com retaliações e intimidando-as de forma tão eficaz que consegue quebrar o sistema. E meu amigo, um cientista político proeminente, disse: "Isso não é surpresa. Nenhuma estrutura constitucional resiste quando há pessoas suficientes em posições de poder dispostas a rejeitá-la". As palavras no papel, por si só, não garantem nada se houver atores no sistema determinados a rompê-lo.
E agora estamos vendo essa ruptura, especialmente entre membros do Congresso que deixaram de proteger a estrutura institucional do Legislativo, porque colocam a lealdade partidária acima de tudo. Ou melhor, não é apenas lealdade ao partido — é lealdade à administração Trump. Essa administração está disposta a desrespeitar o pacto constitucional, especialmente no que diz respeito ao Judiciário. O Judiciário não tem meios próprios para fazer cumprir suas decisões; ele depende do Executivo para isso. Quando o Executivo ignora abertamente essas decisões, força um confronto constitucional. Mas o Judiciário muitas vezes hesita em escalar esse confronto, sabendo que talvez não tenha o poder necessário para prevalecer. É profundamente desanimador testemunhar essa erosão da ordem constitucional.
E isso também me intriga, porque eu não sabia que havia tantos intelectuais dispostos a transformar a presidência em uma agência executiva todo-poderosa. Nunca tivemos isso nos Estados Unidos. E eu não imaginava que tantos americanos queriam isso. Mas querem. Não só Trump, mas também pessoas no campo intelectual que rejeitam todas as normas fundamentais da democracia americana. Isso é surpreendente e perturbador. Mas é onde estamos.
Beatriz: Estou pensando na literatura sobre a presidência imperial. Você não acha que, de certa forma, não é tão surpreendente que as pessoas queiram isso, dado o crescimento do poder presidencial?
Frank: Não é surpreendente que o presidente queira mais poder. Uma vez no cargo, é natural resistir a qualquer freio ou contrapeso que limite sua autoridade. Consigo facilmente imaginar que o atual ocupante da Casa Branca queira sempre mais poder, e não menos. Mas é assim que o sistema funciona: o presidente da Câmara quer mais poder, o líder da maioria no Senado quer mais poder — todos querem. Essa é a lógica da ambição controlando a ambição. Então, nesse ponto, estou confortável, porque o sistema é projetado de forma que, mesmo querendo mais poder, nem sempre eles conseguem.
Também entendo o apelo de um Executivo forte — alguém que possa agir de forma decisiva e unilateral, sem precisar lidar com a complexidade da estrutura fragmentada de governo que temos.
Mas, quando se trata de como ensinamos ciência política, acho que todos nós, coletivamente, passamos a ideia de que nosso sistema de freios e contrapesos era uma espécie de genialidade, o produto de mentes brilhantes que criaram uma estrutura para evitar a dominação. Em retrospecto, talvez precisemos admitir que estávamos errados. E o mais surpreendente é que o consenso entre cientistas políticos e outros não é tão forte quanto eu pensava. Há muitas pessoas hoje dispostas a defender — com argumentos e justificativas intelectuais — que a presidência deve se transformar em algo que ela nunca foi na história dos Estados Unidos. Sim, é chocante. Realmente chocante.
Beatriz: Em que medida a crise democrática atual nos Estados Unidos tem raízes estruturais — como instituições históricas que não conseguem se adaptar às mudanças sociais — e em que medida ela é impulsionada pela polarização partidária ou ideológica?
Frank: Um dos problemas é o crescimento do nacionalismo cristão. Algo está unindo certos grupos e permitindo que Trump, junto com alguns de seus aliados mais estratégicos, reúna essas pessoas em torno da ideia de um retorno ao passado e de uma reafirmação de valores fundamentais enraizados no nacionalismo cristão. Isso inclui rejeitar a separação entre Igreja e Estado, assim como rejeitar a tolerância religiosa e o pluralismo.
Se olharmos para a história do nosso país, veremos que havia tolerância religiosa, mas apenas porque os cristãos que vieram para os Estados Unidos pertenciam a muitas denominações diferentes. A ideia deles de tolerância era que os puritanos não deveriam dominar os quakers, os quakers não deveriam dominar os metodistas, e os metodistas deveriam deixar os evangélicos em paz, e assim por diante. A ideia era que todas essas seitas cristãs fossem tratadas de maneira igual, sem interferência do governo em suas disputas ou autonomia. Isso é bem diferente de respeitar outras religiões fora do cristianismo.
Acho que a linguagem da tolerância e da separação entre Igreja e Estado sempre foi um pouco ambígua. Por exemplo, nossas moedas dizem "In God We Trust", mas nunca dizem "In Allah We Trust". As referências sempre foram cristãs, embora não vinculadas explicitamente ao catolicismo, ao protestantismo ou a qualquer denominação específica. Há um capelão que faz uma oração tanto na House of Representatives quanto no Senado, e as crianças fazem o juramento de lealdade à bandeira nas escolas. Ou seja, sempre houve referências ao cristianismo, e agora isso está se tornando um problema maior. Acho que as pessoas que sempre quiseram ver uma maior presença do cristianismo no governo estão se mobilizando com força para que isso aconteça.
Beatriz: De que forma as mudanças na forma como os temas são enquadrados e priorizados (pelas elites políticas, pela mídia ou por grupos de interesse) têm contribuído para a erosão das normas democráticas nos Estados Unidos? Estamos vendo certas narrativas sufocarem discussões mais democráticas ou deliberativas?
Frank: Sim, há um trabalho de enquadramento acontecendo, mas acho que vai muito além disso. Acredito que o nosso governo está sob o controle de alguém que age como um chefe do crime organizado. As ameaças, as fortes estratégias de intimidação, o uso do dinheiro e a exigência de lealdade absoluta — tudo isso são elementos novos. Outros políticos já exigiram lealdade antes, mas não nesse nível. Eles não chegaram ao ponto de retirar proteção de segurança de ex-secretários de Estado ou ex-presidentes. O nível de vingança — isso é novo.
Também há um fracasso completo do lado da oposição em articular um conjunto coeso de narrativas e argumentos sobre o que eles defendem. Já no lado da administração, não é exatamente uma narrativa única, mas sim uma repetição constante de referências culturais que evocam masculinidade, branquitude, cristianismo, poder, força e ódio aos de fora. São emoções muito poderosas — todas negativas. E o medo e a aversão aos “de fora” são especialmente eficazes. Desumanizar grupos marginalizados é uma técnica de enquadramento comprovada e está sendo usada de forma muito agressiva.
Enquanto isso, o outro lado não tem conseguido reverter essas narrativas nem apresentar contra-argumentos mais humanizadores, como, por exemplo, a necessidade de proteger as crianças. É assim que estamos.
Beatriz: Sim. Lembro de ter lido bastante literatura de psicologia e psicologia política na sua disciplina, e ela dizia que o “mal” chama mais atenção das pessoas.
Frank: Sim. O “mal” é mais forte do que o “bem”. Emoções negativas provocam reações emocionais mais intensas. O medo, como estímulo negativo, é mais poderoso que a esperança. Isso significa que é preciso oferecer cinco doses de esperança para cada uma de medo. O grupo de Trump é muito hábil em alimentar o medo.
Também há uma espécie de adaptação estranha do patriotismo, e acho que estamos começando a ver uma reação a isso. Muitos indivíduos contrários a Trump estão agora tentando resgatar a bandeira e os símbolos patrióticos, tentando retomá-los daqueles que, em sua visão, estão engajados em práticas sediciosas, antidemocráticas e antiamericanas. Mas essas mesmas pessoas estão envoltas na bandeira enquanto fazem isso — e da forma mais bizarra possível.
Sei que a bandeira tem um peso simbólico maior nos Estados Unidos do que em muitos outros países, mas você não deveria fazer roupas com ela. Não deveria transformá-la em biquínis, calças, roupas íntimas ou lenços. Você deveria tratá-la com respeito. Não transformá-la em um chapéu de caubói. Mas é isso o que está acontecendo. E, curiosamente, a bandeira foi apropriada de maneiras desrespeitosas por pessoas que afirmam estar demonstrando patriotismo, quando, na realidade, estão desrespeitando tanto a bandeira quanto a Constituição.
Beatriz: Você leu ou viu o livro Abundance, de Ezra Klein e Derek Thompson?
Frank: Não.
Beatriz: O argumento deles é bem parecido com o de um político português que disse, certa vez, que para contrapor o medo e o ressentimento promovidos pela extrema direita, precisamos criar “objetos de desejo político”, tornar o futuro desejável novamente. Você acha que essa é uma estratégia suficientemente poderosa para mudar a conversa política?
Frank: Acho uma boa ideia apresentar uma afirmação positiva daquilo que defendemos e não apenas do que somos contra. Pode ser algo como investir em famílias, no futuro, na terra, no meio ambiente. Precisamos estar a favor de algo.
Beatriz: Nos EUA, Klein e Thompson argumentam que a oposição não está fazendo isso.
Frank: Concordo. A oposição diz: “Vamos voltar ao normal. Somos a favor do normal. Estamos seguindo as regras.” Mas isso não é inspirador. Precisamos estar a favor de algo maior do que isso.
Beatriz: Diante das tendências atuais, você acha que ainda é possível reverter o curso? Se sim, o que seria necessário?
Frank: Não, acho que nunca voltaremos ao que já fomos. O gênio já saiu da garrafa, e não podemos mais esperar que futuros presidentes se comportem como os anteriores com respeito às limitações constitucionais ao poder. Não há retorno, e eu não sei exatamente para onde estamos indo. É um momento altamente imprevisível. Estamos em um período volátil, e não podemos simplesmente relaxar e voltar ao que era antes. Teremos que fazer mudanças significativas e criar novas garantias para a ordem constitucional, porque as antigas claramente não foram suficientes.
Beatriz: Isso é assustador.
Frank: Vivemos um tempo assustador. Não sei se a estrutura constitucional vai sobreviver. Talvez não piore ainda mais, embora, em muitos aspectos, ela já tenha piorado. Mas, para restaurar um sistema democrático robusto e funcional, não poderemos simplesmente voltar ao modelo anterior. Teremos que criar uma nova versão. E isso é assustador, porque certamente não queremos convocar uma convenção constitucional e reescrever a Constituição. Seria arriscado demais. Não sabemos o que poderia sair disso.
Precisamos de um novo grupo de pessoas com uma visão positiva. Algo convincente que possa ser apresentado ao povo americano. Isso teria que ser amplamente popular e envolver mudanças fundamentais nas regras.
Espero que isso inclua uma renovação profunda de muitos dos nossos representantes eleitos. Não apenas os que conspiraram com Trump e que podem ser derrotados se houver uma onda contrária a ele, mas também uma nova geração de políticos que nunca estiveram alinhados com Trump e que possam oferecer uma visão de futuro melhor do que a do grupo anterior.
Beatriz: Em nossa troca de e-mails, você mencionou que a ciência política, como disciplina, falhou em entender — quanto mais prever — o que está acontecendo. Conversei também com dois comparativistas que argumentam que o campo tem ferramentas para lidar com isso. Você acha que isso revela um ponto cego específico nos estudos sobre política americana?
Frank: Eu venho de uma formação que combina política americana e política comparada, e acho que a culpa deve ser dividida. Os comparativistas não previram a queda do Muro de Berlim nem o colapso da União Soviética. Eles estavam ocupados demais analisando quem estava em pé ao lado de quem nas fotos oficiais do Kremlin durante feriados nacionais, e quão perto estavam do primeiro-ministro ou do secretário-geral. Eles ignoraram completamente o quadro geral e falharam miseravelmente. Nós falhamos como profissão. Então não é um problema restrito a uma subárea.
Estamos vendo essa falha se repetir agora. A disciplina tem se concentrado em análises simples e arrumadas, enfatizando o incrementalismo e a estabilidade, em vez de considerar seriamente as forças que, de tempos em tempos, podem gerar instabilidade profunda. Essas forças geralmente não têm sucesso, mas de vez em quando têm, e é justamente nesses momentos que mais importam.
Não quero parecer que estou reivindicando crédito por prever esses eventos. A teoria do equilíbrio pontuado, que eu ajudei a desenvolver, aponta para esses rompimentos repentinos. Mas ela não nos ajuda a prever quando eles vão acontecer. Então, tenho que admitir: eu não vi isso chegando. Também não previ o colapso da União Soviética — embora esse não fosse o meu campo de estudo — e certamente não previ esta crise. Eu estava convencido de que Hillary Clinton venceria, e que voltaríamos ao normal. Mesmo quando Trump foi eleito, achei que ele não duraria um ano no cargo, porque ele não estava realmente interessado em governar, só queria provar que podia vencer.
Eu já estive errado antes. Lembro que, em 1980, quando Ronald Reagan ganhou a indicação do Partido Republicano, derrotando George H. W. Bush, previ que os republicanos nunca venceriam porque Reagan era conservador demais. Depois disso, parei de tentar prever os resultados de eleições. Então, não estou dizendo que fiz melhor que os outros. O que estou dizendo é que, como profissão, falhamos muitas vezes.
Uma das questões mais interessantes nas ciências sociais é decidir como nos relacionamos com nosso objeto de estudo. Acho que muitos de nós acabam se identificando com os sujeitos que estudam. Passamos a respeitá-los e preferimos estudar atores políticos com os quais concordamos. Houve um período, por exemplo, em que o movimento ambientalista estava crescendo, especialmente na Europa, e todo mundo queria escrever dissertações sobre o Partido Verde. Era tudo muito positivo. Enquanto isso, os democratas-cristãos e os republicanos tradicionais eram praticamente ignorados, porque muitos acadêmicos não se identificavam com esses grupos.
Isso mudou um pouco com a ascensão da extrema-direita. Muitos estudiosos passaram a estudar esses movimentos como ameaças. Então essa tendência não é absoluta, mas existe: tendemos a estudar aquilo de que gostamos. E também tendemos a evitar correr riscos.
Lembro de uma conversa com um colega muito respeitado sobre equilíbrio pontuado versus a análise de estruturas institucionais estáveis. Ele era especialista nessa última abordagem e me disse que estava tranquilo em estar errado 5% do tempo, desde que estivesse certo nos outros 95%. A teoria dele era mais parcimoniosa, então ele preferia analisar as partes estáveis do sistema e deixar as "pontuações" para os outros. E ele tinha razão. Em termos de modelagem científica, sua abordagem fazia sentido. Ele conseguia fazer previsões confiáveis. Mas o ponto cego dessa abordagem é que ela ignora os únicos momentos que realmente importam: as grandes rupturas. E acho que é aí que estamos falhando. É muito mais fácil estudar sistemas que se comportam de maneira previsível do que lidar com a complexidade dos ciclos de realimentação e das mudanças disruptivas. Mas são justamente esses momentos que exigem nossa atenção.
Beatriz: Você acha que a ciência política deve ser capaz de prever, ou apenas de compreender? Entender já é suficiente?
Frank: Algumas coisas não são previsíveis, mas ainda assim precisamos entendê-las. Mais do que isso: precisamos compreender a dinâmica dos sistemas que estamos analisando. Não podemos simplificar demais e assumir que esses sistemas funcionam sempre em equilíbrio. Se funcionassem assim, poderíamos prever os resultados. Mas se não funcionam, não dá para fingir que sim. Nesse caso, a previsibilidade simplesmente não é possível.
Gosto de fazer uma analogia com a ciência climática. Nós entendemos como a atmosfera funciona, mas não conseguimos prever o tempo com seis meses de antecedência. Nem faz sentido perguntar qual será o clima daqui a um ano e meio. O que conseguimos fazer é entender como os sistemas climáticos interagem e produzem determinados resultados, e isso nos permite fazer previsões de curto prazo, como o tempo para um ou dois dias à frente. Passando de quatro, cinco, seis dias, nossas previsões já ficam bem fracas.
E veja bem: investimos centenas de bilhões de dólares em previsão do tempo — satélites, sensores, monitoramento atmosférico em tempo real. A ciência política só pode sonhar com esse nível de instrumentação e observação. Foi por isso que criamos o Comparative Agendas Project — para começar a desenvolver algum nível básico de instrumentação para entender sistemas políticos. Mas mesmo isso não é suficientemente granular para sabermos, por exemplo, o que os políticos estão dizendo a portas fechadas naquele exato momento.
Esse tipo de dado provavelmente nunca estará disponível, porque muita coisa importante acontece em privado. É obscurecida pela confidencialidade e pelo acesso limitado. Então, sim, muitas vezes nos faltam dados cruciais. Mas isso não significa que não compreendamos como o processo funciona em linhas gerais. Significa apenas que estamos trabalhando sob condições de opacidade e precisamos ser honestos em relação a isso.
Beatriz: Essa é uma maneira muito interessante de ver a questão. Você acha que a ciência política precisa revisar alguns de seus pressupostos fundamentais diante do que está acontecendo nos Estados Unidos? Tenho ouvido pessoas dizerem que esse é um caso muito raro, algo excepcional. Mas será que erramos em algo mais profundo?
Frank: Acho que precisamos mudar muitas coisas na ciência política. Uma das questões mais importantes é que, nos Estados Unidos, a profissão recruta demais a partir de um grupo social muito específico. Em geral, famílias de classe média alta. Precisamos de uma diversidade muito maior em termos de origem social, étnica, racial, religiosa — e de mais riqueza de perspectivas.
Porque quando começamos a discutir o que os governos realmente fazem, muito disso é moldado por identidade, por exclusão, por como grupos marginalizados são tratados. Mas há muito poucos cientistas políticos que realmente entendem como é estar do outro lado dessas políticas. Como é depender de programas de assistência social, ter recebido vale-refeição, ter sido mãe solo, ou ter mandado o filho para uma escola pública precária porque era a única disponível no bairro. Ou como é estar na mira de um comportamento policial hostil.
A maioria de nós vem de famílias que nunca passou por isso. E isso afeta diretamente as perguntas que fazemos — ou que deixamos de fazer. Há, sim, cientistas políticos que contribuem para diversificar significativamente a profissão. E não por acaso, eles fazem perguntas diferentes, e olham para o mundo de outra forma. Isso mostra o quão limitada tem sido a perspectiva dominante.
Então acho que falhamos não apenas por causa de um certo conservadorismo metodológico (e aqui falo de conservadorismo com “c” minúsculo, no sentido de focar em mudanças incrementais, na estabilidade, na preservação do status quo ou na variação marginal), mas também porque temos um ponto cego em relação ao privilégio social. Nossa disciplina tem sido moldada pelos socialmente privilegiados, e isso limita nossa capacidade de entender plenamente as dinâmicas que podem levar a mudanças dramáticas — como as que estamos vendo agora no plano constitucional.
Beatriz: Uma das coisas que lembro de ter visto no seu site, quando me candidatei à UNC, foi uma seção com conselhos para jovens pesquisadores. Se você fosse orientar alguém hoje sobre o que estudar — além do que você já mencionou — o que diria a um jovem cientista político?
Frank: Eu diria: estude algo que realmente te motive, algo que tenha relevância substancial para o mundo. Não escolha um tema só porque você já domina a metodologia necessária para estudá-lo. Se você se dedicar a entender algo importante, mesmo que ainda não saiba como estudá-lo, acabará desenvolvendo as ferramentas necessárias ao longo do caminho.
Agora, se fizer o caminho inverso — começar com um kit de ferramentas metodológicas, talvez de ponta, que você sabe que pode te levar a publicar nos melhores periódicos, e aí sair procurando uma pergunta que encaixe nessa metodologia —, é muito provável que o resultado seja entediante. Você até pode ter sucesso na carreira, mas o processo será pouco satisfatório.
É muito mais gratificante estudar algo que exige esforço, que te desafia, mesmo que isso signifique demorar mais. Porque, nesse caso, há uma chance real de impacto: você será forçado a desenvolver métodos próprios para responder a uma pergunta que realmente importa.
Beatriz: Obrigada. Há algo que eu não tenha perguntado e que você gostaria de destacar sobre o que está acontecendo nos Estados Unidos ou sobre a ciência política como disciplina?
Frank: Bom, eu realmente não tenho as respostas. Gostaria de poder te dizer algo com certeza, mas a única coisa de que tenho certeza é que estamos em sérios apuros, especialmente no que diz respeito à nossa estrutura constitucional.
Como cidadãos e como cientistas sociais, precisamos refletir seriamente sobre por que tantas vezes deixamos de ver o panorama geral. Grandes eventos mundiais acontecem, e a gente corre atrás para entendê-los — em vez de poder dizer: “eu avisei”.
Professora, que entrevista preciosa! Obrigado por nos presentear com este e todos os conteúdos. Não tem como ler o cenário americano e não pensar no brasileiro. Particularmente vejo uma deterioração democrática em curso no Brasil, ainda que tenha sido freada. Olho para frente com pessimismo e com a sensação de que as cenas dos próximos capítulos reproduzirão o contexto americano. Apesar de não confiar em previsões, o que a senhora vê no futuro brasileiro de curto prazo (nos próximos 6 anos)?